quinta-feira, 7 de agosto de 2014

- Esmola -

Giz pastel - Tamanho A3 - 2007
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O desenho de hoje tinha sido feito em 2007, mas há pouco tempo, observando melhor este trabalho, resolvi que era preciso dar um retoque geral e ficou bem melhor do que estava. Achei que faltava carregar mais nas cores, acentuar os contrastes, criar mais dramaticidade nas expressões, entre outros pontos que receberam mais atenção. O giz pastel é um material que consegue criar bons efeitos, é bem gostoso de trabalhar e ajuda a criarmos um senso melhor de mistura de cores (para os que estão iniciando na pintura). Antes deste período eu já tinha feito uma série de desenhos por experiência com o giz de cera, para só depois passar para o giz pastel, como já tinha comentado em outras oportunidades por aqui.

O processo artístico

Escolhi retratar neste desenho uma situação que muita gente se depara nas cidades brasileiras (não só as brasileiras, diga-se de passagem) que são os pedintes. Se perguntarmos para cada um o que acham das esmolas, muitas respostas causariam polêmicas. Normalmente vem a tona a questão da acomodação, se o dinheiro será bem empregado ou se será para o fim do qual foi pedido, surge também o pré julgamento do indivíduo pela sua aparência, pelos seu comportamento, enfim, é um assunto muito polêmico, principalmente nas metrópoles onde muitos tendem a encarar o problema como um ônus para a imagem pública da cidade, mas se cenas assim ainda acontecem hoje, há um motivo para isto. A resposta para a solução do problema é muito mais fácil, teoricamente, do que a ação real para combater o problema em si (a miséria), que depende de dois fatores extremamente imprevisíveis e ilógicos: o povo e os políticos. "Afinal, como ajudar de forma sustentável?", talvez esta seja a pergunta mais "na moda" hoje em dia, quando se trata deste assunto.

Sobre os pedintes, já presenciei cenas de todo o tipo... de pessoas que trataram pedintes muito mal (pior que animais), outros tratarem bem (como se fossem conhecidos), outros ainda atenderem os pedidos por medo e até mesmo, de pedintes que não abriam a boca para pedir, mas que seu corpo todo se expressava clamando por ajuda, ainda que de forma muda. Num país que o estereótipo da malandragem é vangloriada, que o "jeitinho brasileiro" é vangloriado, é mais do que natural que haja por parte de muitos a desconfiança de que a esmola pedida não passe de um golpe barato para ganhar dinheiro fácil, às custas dos outros. E muitas vezes estas cenas ficam gravadas na memória da gente... e vez por outra recorremos à elas para produzir algo.

Até chegar nas expressões que eu queria para os personagens deste trabalho, naturalmente foi preciso que houvesse um pouco de pesquisa, que sempre é muito importante, até mesmo para deixar o trabalho mais rico em detalhes. Busquei na internet imagens de mendigos, de expressões, comecei a prestar mais atenção na fisionomia das pessoas que cruzavam o meu caminho nas ruas, folheei diversas revistas antigas, livros, fotos antigas de família, explorei um pouco pessoas próximas a mim e até mesmo, usei um pouco do meu próprio reflexo no espelho para chegar na expressão certa.

Referências

Não é novidade nenhuma a minha admiração pelo trabalho do francês Edgard Degas, inclusive no que se refere ao uso do giz pastel. Quando se fala em pinturas retratando bailarinas, mulheres após o banho, situações íntimas femininas e afins, é bem fácil lembrar da obra de Degas, inclusive criando no imaginário das pessoas a imagem de que o artista era um apaixonado pelo universo feminino, mas na verdade muitos historiadores sugerem que o mestre francês era misógino (tinha aversão às mulheres), encarando suas modelos apenas como meros objetos retratados. Ninguém é perfeito!

"No Swimming" de Norman Rockwell
Retratar cenas do dia a dia, assim como Degas fazia, é algo muito interessante, até mesmo como um registro do que você vive. Um outro artista que também influenciou bastante a produção deste trabalho foi o artista norte americano Norman Rockwell que era mestre em retratar cenas cotidianas, inclusive fazendo isto com muito bom humor. No caso do trabalho deste post, não há o mesmo humor... talvez exista até uma certa ironia disfarçada pela expressão pedante do homem que é abordado pela criança, que reage com uma expressão apreensiva e carente.

A obra

Voltando ao assunto do trabalho, escolhi utilizar como predominante tons de cores frias para o ambiente e roupas dos personagens e mesmo que os rostos tenham ficado iluminados e sem tanta influencia das cores em volta, acho que ainda assim consegui transmitir um ar sombrio mais de acordo com o tema. As expressões também me agradaram bastante e saiu de acordo com o que eu tinha imaginado desde o princípio. Esta não é a primeira vez que trato deste tema nos meus trabalhos (já aconteceu antes em "Tensão" e em "Fome", este último ainda não publicado aqui) e provavelmente não será a última vez, pois é um tema bem fértil e expressivo, o que pode gerar bons frutos.



Licença Creative Commons
"Esmola" de Eduardo Cambuí Junior está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-SemDerivações 4.0 Internacional.

2 comentários:

  1. Muito bom, Edu, inclusive o texto que escreveste. Acho bem interessante a pesquisa que fazes antes do trabalho. Parabéns!!!
    Que bom poder comentar sem o Google + (risos)

    beijão

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    Respostas
    1. Valeu, Ci! A ideia é justamente esta mesmo... mostrar que antes do produto final (a arte), muita coisa acontece. E sobre o Google+, eu também fico louco com essa forçada de barra que eles fazem...
      Bjão!!

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