segunda-feira, 4 de março de 2024

- Mar de Palavras -

Acrílico sobre tela - 50 x 70 cm - 2023

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Esta arte foi o resultado da minha participação durante o 4o Simpósio Internacional Virtual de Escultura e Pintura 2023 "Diversidarte", que contou com a participação de artistas da Argentina, Peru, Chile, El Salvador, Cuba, México, Espanha e Brasil. A ideia da arte foi tratar imageticamente (e simbolicamente) sobre o quanto nós, enquanto indivíduos, parecemos estar à deriva num mar de palavras (discursos, ideologias, crenças, etc.) que permeiam o nosso cotidiano através de muitos meios. 

O processo artístico

Esta foi minha terceira participação no Simpósio promovido pelo pessoal do grupo ArtEnVivo e, como nas demais edições, a ideia é produzir uma arte inédita em uma semana e registrar suas etapas em vídeo e publicá-las na página do grupo. Os temas costumam ser livres e eu sempre busco algo que não se resuma apenas a uma imagem aleatória, mas que tenham algum sentido ou mensagem para quem veja, principalmente se tiver alguma relação com o nosso cotidiano. Nesta edição eu busquei experimentar um pouco mais com a utilização de outros materiais e isto acaba sendo um desafio à parte porque saímos de uma certa zona de segurança. E sempre ficamos em dúvida se o resultado final vai ser da maneira como esperamos que seja.


Como o título da obra sugere, é um mar de palavras que precisaria necessariamente ser composto por elementos que tivessem alguma ligação com este título e escolhi que seriam diversas letras soltas. E é aqui que surgiu a ideia de utilizar algo além de tintas e pincéis. Como pintar letras e frases não é algo que eu goste de fazer, tive a ideia de carimbar estas letras, até para ganhar tempo na produção... apesar de 7 dias parecer um tempo longo para a produção de uma pintura, pela complexidade do tema que me propus a fazer eu corria o risco de não ter tempo suficiente, principalmente se eu fizesse letra por letra manualmente (ou se escolhesse fazer frases aleatórias, o que não funcionaria, quebrando o caráter universal que eu queria dar para a obra, por conta da língua).

E carimbar estas letras acabou sendo bem mais desafiador do que eu tinha em mente. Arrumei dois tamanhos de carimbos de letras e as distribuí pela tela de forma aleatória, em 2 cores com as letras maiores e com 3 cores diferentes para as letras menores, buscando preencher ao máximo toda a área do mar, que foi pintado como base, anteriormente. Este processo repetitivo se torna um tanto cansativo, principalmente considerando que seria preciso gravar uma parte do processo, editar como um vídeo curto e publicá-lo.

A etapa final veio sobrepondo várias camadas de tinta no mar, entre cores mais escuras e mais claras, dando mais profundidade e buscando um aspecto mais próximo do real. A inserção do personagem foi a última etapa, dando mais sentido e dramaticidade à cena. A intenção era mostrar um personagem que nada com afinco, sem direção, como uma tarefa árdua e exaustiva, fazendo um paralelo simbólico com o que nos deparamos no cotidiano, com tantas narrativas vigentes, versões enviesadas da realidade, crenças, ideologias, entre tantas outras que podemos observar em conversas, notícias, mídias sociais, etc. Apenas para citar um exemplo como forma de demonstrar como isso ocorre hoje em dia, a ascensão da extrema direita em diversas partes do mundo, faz com que a luta pelo domínio da tão falada narrativa se mostre cada vez mais disputada e divulgada, não importando muito se trata de fatos ou não. E este é apenas um espectro.

Referências Artísticas

Picasso - "Natureza-morta com
cadeira empalhada"

Desde o princípio, quando tive a ideia da pintura e de buscar uma forma alternativa de fazer as letras, eu tive em mente uma característica do cubismo, que era a colagem e a utilização de materiais diversos que espalhou para outros movimentos mais tarde. Artistas como Picasso, Braque, Juan Gris e Max Ernst (entre tantos outros) recorreram por um tempo ao processo de incorporar a colagem de diversos materiais junto à pintura, que foi nomeado de “papiers collés”. Principalmente Braque e Picasso, que consideravam que seu estúdio deveria ser um lugar inteiramente dedicado às experiências e nesta forma de inventar um novo tipo de pintura, foram incorporando materiais da vida cotidiana como tecidos, recortes de jornal, tiras de papel de parede, gaze, pedaços de assento de palha, papelão, lâminas de barbear, entre outros tantos materiais. 

Alexander Archipenko - "Mulher
com chapéu"

Em 1912, a relação de troca de ideias entre Picasso e Braque eram bem intensas. Picasso considerava Braque como um igual. Inclusive a ideia inicial da introdução destes materiais estranhos à prática artística veio de Braque e, para Picasso, estas inovações eram um pretexto perfeito para alargar o sistema da iconologia cubista. Ainda em maio de 1912 Picasso produz a obra “Natureza-morta com cadeira empalhada”, feita com um pedaço de tela encerada colada sobre uma tela em que o artista pintou com tinta a óleo e rodeou a borda da obra com corda, como se fosse uma espécie de moldura, deixando ainda mais evidente a utilização de materiais normalmente alheios à produção artística tradicional.

Max Ernst - "Os Cormorões"

Muitos artistas beberam desta fonte, como também foi com o ucraniano Alexander Archipenko, que utilizava a técnica do papier collé para criar uma interpenetração entre pintura e escultura, fazendo a diferenciação dos materiais através das cores, como em sua obra “Mulher com chapéu”, em que utiliza a tinta à óleo em papel marchê e gaze sobre madeira. A técnica também se fez presente na obra de Max Ernst, que estava mais estreitamente ligado aos dadaístas e surrealistas do que aos cubistas, mas que utilizou com frequência a mesma técnica, como na obra “Os Cormorões”. Na obra de Ernst, foi feita uma colagem de fotografias e tinta nanquim sobre papel, num tamanho relativamente pequeno (15,5 x 13 cm).

A Obra

É claro que para a produção de “Mar de Palavras” eu não buscava inserir materiais tão diversos usados no papier collé como fizeram os cubistas, mas apenas navegar superficialmente utilizando coisas que normalmente não faço uso. No final, a arte se mostrou como uma série de camadas sobre camadas, até chegar no ponto em que eu pretendia, onde o crucial era deixar a mensagem bem clara, ainda que simbolicamente. Acho que em todas as edições do Simpósio Internacional Virtual de Escultura e Pintura que participei, com exceção da terceira edição, a conclusão da obra sempre foi em cima do prazo, mas felizmente sempre acabou saindo tudo como planejado. 


Sobre a mensagem da obra, a torre de Babel que vivemos hoje parece impor dificuldades maiores do que apenas línguas diferentes, mas interpretações de realidades tão diversas e convenientes à confirmações de discursos pasteurizados que é difícil reconhecer onde está realmente a realidade, ainda mais se considerarmos que a inteligência artificial está cada dia mais presente e que muito mais cedo do que imaginamos, até os nossos próprios sentidos vão ser questionados por nós mesmos. Logicamente não sei como será o futuro e nem se ainda fazer arte da mesma forma como tantos outros antes de mim ainda vai fazer alguma diferença para alguém, mas seguimos em frente, porque, como costumo dizer, eu faço arte para desocupar o lugar onde estão armazenadas dentro de mim e não para atender expectativas.

Imagens utilizadas: Arquivo pessoal e Google Imagens

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Referências bibliográficas:


APOLLINAIRE, Guillaume, 1880-1918. “Cubismo” / Guillaume Apollinaire, Dorothea Eimert, Anatoli Podoksik; [tradução: Gil Reyes]. – São Paulo : Folha de S. Paulo, 2017.

GIMFERRER, Pere. “Max Ernst”; [tradução: Francisco Castro de Azevedo]. – Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico S/A, 1983.

WARNCKE, Carsten-Peter. “Picasso”; [tradução: Fernando Tomaz]. – Lisboa: Taschen, 2006.



"Mar de Palavras" by Eduardo Cambuí Junior is licensed under Attribution-NoDerivatives 4.0 International

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