Acrílica sobre metal - 150 x 70 cm - 2017
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A pintura deste post tem uma série de particularidades que, ao meu ver, tornam este trabalho um pouco mais importante e singular do que os últimos que eu tenho feito. Digo isto sem levar muito em consideração a questão estética, afinal há outros trabalhos (inclusive recentes) com mais expressividade ou com um viés conceitual mais denso. O motivo para perceber este trabalho com um valor diferente está no fato de tudo o que ele representa e pelo seu caráter social. O suporte, como já devem ter notado, na verdade trata-se de uma geladeira velha que foi transformada numa "biblioteca pública"... dentro dela estão diversos livros (dos mais variados temas e adquiridos através de doações) que ficam à disposição dos visitantes da Praça do Coité, que em grande parte são crianças.
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Interior da "biblioteca" |
Além da questão do incentivo à leitura, esta praça tem também uma história incomum... situada nos arredores do local onde historicamente começou o povoamento do que se tornaria mais tarde a cidade de Macaúbas (no interior da Bahia), a praça só existe hoje graças a iniciativa dos moradores do bairro que se organizaram e se opuseram à construção de um prédio no local da praça e que seria destinado a abrigar um órgão público, fazendo com que, consequentemente, as árvores já existentes no local fossem derrubadas para possibilitar o andamento do projeto. Pelo local ser um bairro majoritariamente residencial, levando em conta o caráter histórico e ambiental, e não ser grande o suficiente para abrigar adequadamente um órgão público, a maioria dos moradores se mobilizaram, afinal, havia disponível na cidade uma grande variedade de outros locais mais acessíveis para esta construção e que não trariam tanto impacto quanto este escolhido por eles.
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Praça do Coité - Macaúbas / BA |

O processo artístico
Após conseguir a geladeira através de doação (e que teve a mediação direta da moradora Socorro Bastos, que participa ativamente de tudo que envolve a praça), não demorou muito para surgir a ideia de fazer desta geladeira uma biblioteca para jovens e crianças, principalmente. Foram então debatidas questões como a aquisição de livros, se não era muito grande o risco de pessoas levarem embora estes livros numa proporção maior do que ler e devolver depois, como mediar esses empréstimos, entre outras coisas, até surgir a questão da arte na geladeira. Para isto, veio a ideia de convidar os artistas locais para pintar as faces da geladeira. Convidados os artistas, o primeiro passo foi aplicar a base (geralmente composta por PVA branco e cola) em toda a geladeira, num processo similar ao que é feito no tratamento da tela para a pintura. A partir de então, comecei a produzir a minha parte, que acabou sendo a parte frontal da geladeira.
Pintar foi um processo não tão simples quanto eu imaginava porque era preciso fazer no local, o que é uma coisa um tanto complicada já que não dava para ficar arrastando esta geladeira pra lá e pra cá, sem contar que eu ainda estava sujeito às condições do tempo, poeira, luminosidade e a própria disposição de tempo livre para fazer (algo que não é sempre que tenho disponível). Além disto, tem a própria característica da tinta acrílica que, apesar de facilitar o trabalho em alguns momentos (por secar bem rápido, torna mais fácil produzir as partes onde a pintura pede camada sobre camada), em outras vezes se torna um verdadeiro problema, justamente por secar muito rápido (principalmente nas áreas onde a pintura pede uma mistura gradiente de cores, o que exige do artista bastante rapidez e habilidade).
Logicamente, há formas acessíveis de retardar este processo de secagem da tinta acrílica aplicando algumas gotas de glicerina na tinta, assim como há também o “médium acrílico”, que é vendido em lojas especializadas justamente para este fim. Particularmente, eu não gosto de usar este tipo de facilidade porque qualquer pouquinho a mais ou a menos acaba atrapalhando muito mais do que ajudando. No caso específico deste trabalho, pintar no metal nem se compara a prática de pintar numa tela comum ou papel, que comportam melhor a tinta. Somando tudo isto, o trabalho acabou demorando um pouco mais do que o programado para ser concluído.
O interessante acabou sendo o próprio processo da pintura, porque raras foram as vezes em que pintei sozinho... sempre tinha alguém vendo, acompanhando de perto, conversando (fosse adulto ou criança) e tudo isto tem um valor especial porque torna mais simples perceber o impacto que o trabalho causa nas pessoas.
Referências
Neste trabalho, que foi feito de forma bastante livre e despreocupada, as referências estão muito mais na preocupação em fazer referências às partes marcantes de grandes clássicos da literatura mundial do que se inspirar em obras de outros artistas visuais. O desenho foi produzido muito rápido, de forma totalmente pessoal e imaginativa. Logicamente, como se trata de uma biblioteca, busquei fazer referências a temas que estão presentes em vários clássicos da literatura, como é o caso de aventuras marítimas (“O Conde de Monte Cristo”, “Capitão Tormenta”, “A Odisseia”, “O Velho e o Mar”, entre outros), animais fantásticos dos mares (“Moby Dick” e “20.000 léguas submarinas”) e ilhas isoladas (“Robinson Crusoé”). Na parte superior, já vem as referências às obras de ficção científica (como “Viagem a Lua”, “2001 – Uma odisseia no espaço” e tantas outras obras de autores como Isaac Asimov, Arthur Clarke, Philip K. Dick, entre outros).
A Obra

Na parte espacial da pintura, acabei utilizando como modelo a nave X-Wing, da série Star Wars, que vaga por uma galáxia idealizada. Fiz alguns planetas (Saturno e Júpiter), o Sol e algumas estrelas, mas logicamente, por se tratar de uma criação livre, não tive qualquer preocupação com posicionamento correto dos astros, dimensões adequadas e coisas do tipo… ficaria louco antes de acabar a pintura se eu partisse para esse tipo de detalhamento.
Acredito que o trabalho foi bem-sucedido e passa bem a sua mensagem, além de prender a atenção do observador para os detalhes, talvez até buscando explicações para cada componente da obra e dando a sua interpretação particular, que é o grande propósito de todo trabalho em arte visual.
Fotos: Fábio Dourado e Eduardo Cambuí Jr.

"Imaginação Literária" de Eduardo Cambuí Junior está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-SemDerivações 4.0 Internacional.
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