Acrílico e nanquim sobre papel – 20 x 30 cm – 2019
Clique na imagem para ampliá-la |
A arte de hoje trata de um assunto que infelizmente é muito
presente no cotidiano de muitas pessoas, acredito que independente do lugar
onde vivam e que acaba, muitas vezes, sendo escondido sob o manto da
privacidade de cada um, que são os relacionamentos abusivos. Nesta obra, o
personagem principal é um homem retratado como uma espécie de máquina, como se
simbolizasse a automatização de um predador em série em busca de novas vítimas para
saciar sua sede por relações tóxicas. E isto é mais comum do que se
imagina e torna vítimas tanto mulheres quanto homens.
O processo artístico
Relacionamentos abusivos podem ser caracterizados por uma
relação onde um dos lados tem um ciúme exagerado, que monitora constantemente tudo
o que seu parceiro faz (com ou sem consentimento) tanto quando seu parceiro vai
para algum lugar (qualquer lugar) como na internet, fiscalizando cada passo
dado por seu parceiro. É alguém de comportamento controlador, que tenta moldar
a pessoa de acordo com os seus desejos (nem que para isto seja preciso mudar hábitos),
isola o parceiro de suas amizades e círculo familiar, faz chantagens emocionais
e costuma diminuir a autoestima do seu parceiro buscando torná-la dependente,
como se fosse incapaz de tomar decisões. Outra característica marcante é demonstrar
dar mais importância para si e seus problemas do que com o que se passa com o
seu parceiro. Estas são algumas características marcantes de relacionamentos
abusivos e, caso tenha se reconhecido em algumas destas situações,
provavelmente é hora de buscar ajuda.
A ideia básica que encontrei para retratar todo esse
comportamento na arte é mostrar como se o homem da relação fosse uma espécie de
máquina automatizada com dois lados distintos, como se fosse uma visão de “antes
e depois”. Do lado direito, ele recebe a sua parceira encantada com uma fachada
reluzente e atraente, como se ela tivesse encontrado a sorte grande naquele
momento. Inclusive, a placa com a palavra “fortuna” faz referência à sorte
afortunada da mulher (e não qualquer referência à parte financeira). Do lado
esquerdo é a parte onde a mulher sai do relacionamento, desgastada, consumida e
atordoada pelos contratempos da relação, como se a saída fosse pela parte dos
fundos, escuro, sombrio e cercado de frustrações. O cartaz com a palavra “histeria”
se refere ao comportamento que passa a ser adotado.
Referências
Apesar de ter algum tempo que não publicava aqui no site,
tenho feito muitos trabalhos em tamanho A4 (a maioria publicada via Instagram, mas pretendo colocar mais coisas por aqui também) e tenho adotado um tom mais crítico para
tratar dos assuntos que tenho abordado na minha arte. Para esta arte, este foi
um assunto que percebi que é um tanto universal, contemporâneo e ainda que seja bem fácil de
encontrar, ainda assim é comportamento que vive sob um manto de obscuridade.
No momento em que tive a ideia de fazer uma arte sobre este assunto, o princípio básico da imagem surgiu quase que instantaneamente na minha cabeça, que é a cabeça do homem como uma entrada de um brinquedo de parque de diversões. O que fui adequando conforme fui fazendo o desenho foram os detalhes, o cenário de fundo, a ambientação de antes-e-depois para tornar a ideia mais clara numa rápida olhada.
Quando imaginei como seria o contexto da cena, pensei em algo como uma máquina
de uma linha de produção industrial, uma vez que há pessoas que se comportam
como um “abusador em série”, sempre coletando novas vítimas para o seu
comportamento tóxico que reflete suas frustrações e seus distúrbios. O cenário
do lado direito, eu busquei algo como uma fachada de cinema, com letreiros
reluzentes e o rosto transmitindo algo bom, como uma entrada, um cartão de
visitas. Do lado esquerdo, seria como uma saída dos fundos para um beco escuro,
com um cartaz bastante envelhecido e descuidado, como toda a parte deste lado do cenário.
A Obra
Eu acredito que a forma como eu encontrei para simbolizar
este tipo de comportamento foi bem-sucedida, uma vez que o princípio básico
aqui sempre foi despertar a atenção do espectador para este problema, aliando um apelo
visual um tanto atraente e expressivo. É um enorme desafio para um artista visual tratar de assuntos complexos, contar uma história cheia de particularidades e tudo isto, através de uma única imagem congelada (que é o caso do desenho, da pintura, da escultura e da fotografia)... muitas vezes é um exercício de imaginação descobrir como se fazer compreender com tão pouco. Apesar de se tornar complicado muitas vezes, por outro lado são abertas possibilidades de acrescentar mais coisas sutis que estimulam o espectador a parar para observar melhor, a vasculhar os cantos para encontrar uma outra linha, um outro contexto dentro de um contexto. E assim o show continua.
"Máquina de relacionamentos tóxicos" de Eduardo Cambuí Junior está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-SemDerivações 4.0 Internacional.
Podem estar disponíveis autorizações adicionais às concedidas no âmbito desta licença em https://www.arteporparte.com/p/contato.html.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Seu comentário será sempre bem-vindo. Assim que for possível, eu retorno! Não serão permitidos spams...