terça-feira, 12 de abril de 2016

- Vista da Igreja Nossa Senhora da Imaculada Conceição -

Acrílico sobre tela - 80 x 60 cm - 2016
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Quando tratamos sobre os temas que os artistas escolhem, é difícil desassociar da capacidade de observação destes. Acho que a observação é um fator crucial para todo artista, independente da área. Mesmo que o artista seja um pintor abstrato, o que na verdade pouco importa, ele é essencialmente um observador, seja para o que acontece dentro de si próprio, ou para a relação entre cores, formas e sentimentos e a forma como tudo isto interage com os outros que a contemplam, enfim, ele é um observador voraz do mundo interior e exterior. Falar sobre o processo das artes visuais figurativas hoje em dia é um pouco complicado porque já não funciona como muita gente ainda pensa que funciona. A arte contemporânea (e até esta nomenclatura parece não englobar muito bem o atual momento) ampliou muito o leque de possibilidades artísticas.

Vista parcial da Praça Imaculada Conceição em Macaúbas, Bahia
Retratar a cidade onde moro é um tema que de tempos em tempos eu revisito, seja através de encomendas que às vezes surgem ou pela escolha de determinados lugares que eu acho que podem culminar num bom trabalho. Muitas vezes eu escolho retratar lugares que fogem do óbvio (para aqueles que conhecem a cidade), justamente para criar a partir do local, um trabalho de apelo mais universal. O caso específico desta publicação foi retratar um lugar central, quase turístico da cidade, que foi feito para um fim social muito interessante, apesar do prazo curto que tive para fazê-lo.


O processo artístico

A minha forma de trabalhar é um tanto clássica em alguns aspectos e em outros, eu já exploro bastante as facilidades da modernidade. Clássico na forma como eu escolho os temas, retratando aspectos ou lugares mais condizentes com a realidade do dia a dia, o que não significa exatamente que eu retrate minuciosamente os lugares escolhidos. Naturalmente, quem conhece meu trabalho já sabe que não é muito a minha praia explorar o mundo fantástico de criaturas ou lugares imaginários. E como já tinha comentado aqui diversas vezes, utilizo bastante as referências para me ajudar a compor o meu trabalho e para isto, tiro bastante fotos que podem me servir depois. Antigamente eu costumava revelar as fotos que eu tirava, mas de uns tempos pra cá eu tenho utilizado um tablet para ver estas referências na hora de produzir, considerando que é uma ferramenta muito boa porque tem como ver melhor os pequenos detalhes através do zoom. Inclusive é uma boa dica para quem se utiliza de referências fotográficas, já que geralmente os tablets disponíveis no mercado tem telas em bons tamanhos.

A produção desta pintura foi motivada pela ação de uma associação de moradores de bairro (criada a pouco menos de 1 ano e da qual também faço parte) que através da ação conjunta dos moradores, se posicionaram contra a instalação de uma agência da Previdência Social (o famoso INSS) numa área arborizada que era considerada como uma praça no local, ainda que houvessem apenas os limites das guias das ruas e árvores em seu interior. Os moradores se posicionaram assim justamente por considerar que havia diversos outros locais com melhor localização para a instalação da agência dentro da própria cidade, além de levar em conta que a área da praça é pequena para uma instalação daquele porte, num bairro residencial e próximo de uma área histórica (marco zero histórico da fundação da cidade). Desta forma, eles se mobilizaram e através da ajuda do comércio local e dos próprios moradores, foram feitas as instalações básicas que deram o aspecto mais nítido de praça pública. A ideia primordial era a de estabelecer este aspecto para que a administração pública local se motivasse a assumir sua responsabilidade com a área (algo que ainda não aconteceu, apesar do maciço apoio popular para a instalação da praça). Como forma de angariar fundos para quitar os gastos com estas instalações, foi sugerido uma rifa e logo veio a ideia do sorteio de uma pintura em tela, onde acabei sendo "sorteado" para produzir a tal pintura.

Vista parcial da Praça do Coité
Logo que surgiu a ideia da pintura, logo pensei em retratar a igreja Nossa Senhora da Imaculada Conceição, igreja matriz da cidade de Macaúbas e um dos pontos turísticos do município, que tem também uma enorme importância para a população local, que é culturalmente muito religiosa. Eu já tinha feito outros trabalhos que retratavam esta igreja (como por exemplo, "Praça Imaculada Conceição" e "Crônicas Macaubenses - Paisagismo") e certamente vou revisitar este mesmo tema no futuro, portanto, busquei retratar a igreja de uma forma mais diferente. O ângulo um pouco lateral e as árvores que escondem um pouco a face da igreja fizeram com que, ao meu ver, fosse evidenciado o ambiente pacato de cidade do interior.

O processo de pintura em diferentes fases
Nesta pintura resolvi experimentar também uma forma diferente de trabalhar do que eu estava acostumado até então e que foi muito interessante. Geralmente em pinturas de paisagens e cenas urbanas, entre outros, há um dificultador natural que é pintar o céu que se mostra entre as folhas das árvores da mesma forma (e no mesmo tom de cor) como ele está no resto da pintura. O mesmo acontece com outras partes que ficam num segundo ou terceiro plano. Desta forma, resolvi pintar o céu inteiro como se nada fosse se cobri-lo da visão do espectador, assim como a igreja também que seria coberta pela folhagem das árvores, para só mais tarde pintar o restante da cena por cima. Como a tinta acrílica seca bastante rápido, não teria tanto risco de acontecer a vitrificação das cores, que é quando a cor que sobrepõe a outra, ainda mostra um pouco da cor que está abaixo. A experiência deu tão certo que acredito que vou adotar esta forma de pintar cenas do tipo, daqui em diante.

Referências

É muito natural que os artistas retratem em algum momento de suas vidas as diferentes coisas, pessoas ou lugares que fazem parte do seu dia a dia. Inúmeros foram os artistas que fizeram isto durante a história, fazendo com que a sua obra imortalizasse de alguma forma aquilo que foi retratado. Assim como foi com Portinari que retratou Brodósqui, Benedito Calixto que retratou o litoral paulista, Pissarro que mirou suas atenções ao boulevard de Montmartre e Van Gogh que retratou as cenas de Arles, já tem algum tempo que não me privo de maneira nenhuma de retratar as cenas de Macaúbas, que é até uma forma (bem tímida, é verdade) de contribuir para tirar a cidade do anonimato.
Benedito Calixto - A Velha Cadeia e a Rua Septentrional (Santos de Outrora)

Por haver tantos e tantos artistas que fizeram o mesmo, não houve necessariamente uma obra ou um artista específico que me inspirasse a fazer isto... talvez fosse mais justo considerar um conjunto de artistas e obras, como citei brevemente mais acima.

A Obra

Considerando as condições que esta pintura foi feita (principalmente pelo prazo apertado para entregar o trabalho), o resultado foi muito bom. Alguns pequenos erros que acabaram passando e que não pude corrigir depois, tiraram um pouco do meu sossego e ficaram martelando na minha cabeça por um tempo, como por exemplo, a base que sustenta o sino da torre foi desenhada de uma forma que ficou desalinhada do resto da janela e que causa uma forte sensação de erro na perspectiva, mas no conjunto da obra, o resultado agradou.

Estes erros que às vezes acontecem são interessantes, pois no momento da pintura, quando o pintor geralmente fica com os olhos muito perto da tela, eles se tornam difíceis de perceber e só depois de um tempo é que são percebidos. Por isto é que são importantes as pausas para esticar as pernas, tomar um ar, se afastar da tela para observá-la de longe, etc. Um artifício que aprendi e que tem me ajudado é de tirar fotos durante a composição do trabalho para vê-las em miniatura no computador ou na tela do aparelho mesmo... é um artifício que tem funcionado muito bem para perceber melhor estes deslizes (ainda que neste caso, não tenha sido suficiente para que eu percebesse a besteira que eu acabei fazendo). Em alguns casos, perceber algum erro na composição do desenho ou da pintura acontece logo em seguida de serem concluídos, mas em alguns casos, leva muito mais tempo que isto. Às vezes, chega a levar até mesmo alguns anos para notar. Talvez isto ocorra porque, com o tempo (e pela experiência da prática), conquistamos um olhar mais aguçado para perceber que era possível melhorar muito mais, o que explica porque alguns artistas nunca consideram que o seu trabalho está pronto.



Licença Creative Commons
"Vista da Igreja Nossa Senhora da Imaculada Conceição" de Eduardo Cambuí Junior está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-SemDerivações 4.0 Internacional.

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