- Panela de Pressão -

 Acrílico sobre papel – 30 x 42 cm - 2022

Clique na imagem para ampliá-la

No início de 2022, a Rússia invadia a Ucrânia e ali começava um conflito que, até hoje, ainda não dá sinais de que está chegando ao fim. Esta arte é a minha interpretação visual e artística de um momento turbulento da contemporaneidade que ainda ocorre, utilizando um objeto comum do dia a dia para criar uma analogia com uma situação de tensão mundial que, num mundo globalizado, afeta a todos em menor ou em maior proporção.

O processo artístico

Guerra na Ucrânia
 ALEKSEY FILIPPOV - AFP - Getty Images

No fim de fevereiro de 2022, tivemos notícias das ações de invasão da Ucrânia pelos soldados russos que buscavam anexar partes do seu território, numa iniciativa que há muito tempo não testemunhávamos, da forma como foi. Um ponto interessante no início deste conflito foi observar o empenho dos envolvidos e de aliados em fomentar a guerra, com apoio armamentista e logístico, mas, no entanto, os esforços para buscar a paz foram muito menores. Considerando que a Rússia é o país que mais possui ogivas nucleares no mundo, este conflito ganha ares ainda mais dramáticos, dependendo das respostas que forem dadas.

"O Tabuleiro Internacional"
de Eduardo Cambuí Junior

Através da arte, assim como fizeram e fazem muitos outros artistas, a obra é também uma forma de tratar (neste caso, visualmente) sobre temas da contemporaneidade, seja sob um aspecto mais intimista, de caráter pessoal, ou de forma mais ampla, abordando cenários maiores. E ver um cenário de guerra se desenvolvendo (e hoje não é o único ponto de tensão global) é uma coisa que não há como desprezar… muitas ideias estavam vindo e eu fui produzindo o quanto podia, sempre tendo em mente criar analogias da tensão de guerra com cenas universais e neste período saíram pelo menos 3 obras. Nesta arte específica, fiz uma analogia com uma panela de pressão que está prestes a explodir, simbolizando toda a tensão envolvida no conflito. 

Fachada de hospital pediátrico em Kiev após
bombardeio russo, em 8 de julho de 2024
Foto  Gleb Garanich - Reuters

Para este trabalho houve uma pesquisa maior, até para buscar saber o quanto a panela de pressão é um objeto universal do cotidiano e qual modelo é o mais utilizado, para que o entendimento desta imagem seja mais fácil na analogia com a tensão do conflito. Cogitei até a possibilidade de colocar no cabo da panela uma bandeira pequena da Ucrânia para deixar mais fácil a compreensão, mas depois considerei que não seria tão necessário, até para que pudesse deixar a interpretação mais livre para cada um, sem nada que guiasse o observador tão diretamente para um ponto. Coincidentemente, quando o conflito teve início eu também estava atravessando um período delicado pessoal, de ruptura de um relacionamento e o simbolismo destas imagens acabou ganhando mais significados íntimos e mais expressividade, para além do tema da guerra. 

Referências Artísticas

Claudio Bravo - "Volta do Supermercado"

Normalmente, sempre que entro na parte das referências para um trabalho, é comum falar do estilo de algum grande mestre da pintura do passado ou de outras influências. No caso desta obra, as referências são mais atuais. O ponto de partida aqui é o movimento artístico do fotorrealismo, uma linha artística surgida do fim dos anos 1960, que mais tarde teve como ramificação o hiper-realismo. Em ambas, a fotografia é a base central da obra, como um modelo de referência essencial para a produção. Porém, no hiper-realismo, que abrange também a escultura, o detalhamento é ainda maior, com obras que apostam por vezes em grandes dimensões.

Glennray Tutor - "Luz das Estrelas"

Neste trabalho, ainda que não tenham sido uma fonte direta de inspiração para a produção do trabalho, destaco dois artistas que tem trabalhos que de certa forma fazem uma interconexão com a forma como eu cheguei a esta imagem, que são o estadunidense Glennray Tutor e o chileno Claudio Bravo, ainda que Bravo esteja mais ligado ao hiper-realismo. Em alguns trabalhos que conheço de Tutor, objetos do cotidiano são tratados como protagonistas em suas obras, parte onde se estreita com a produção da obra desta publicação e, de certa forma, é também um pouco mais próxima da minha linha de trabalho (guardadas as proporções). Já o trabalho de Claudio Bravo é um tanto mais diversificado, com muitos retratos também, mas quando ele coloca os objetos como personagem central da obra, o efeito é igualmente incrível. 

A Obra

O resultado final deste trabalho é um dos casos em que a pintura se torna exatamente da forma como eu tinha idealizado no início e nem sempre isso acontece. No meu entendimento, quando o processo de pesquisa das referências utilizadas é bem feito, com qualidade e variação, as chances de chegar num bom resultado são bem maiores, assim como também entender os pormenores do tema, tanto subjetiva (o tema em foco, contextos e o que ele busca traduzir) como objetivamente (os elementos, suas formas, como se comportam, etc.). 

Como já citei em várias oportunidades por aqui, no processo de produção, eu vou buscando diferentes referências imagéticas para cada um dos elementos que vão compor a cena, a partir da ideia que formo na mente e vou criando uma espécie de colagem, mas sem ter realmente uma colagem no sentido estrito da palavra... vou reproduzindo, alterando, criando a partir de um ponto. O surgimento da imagem pode ter diversos gatilhos: a forma como é veiculada uma notícia, figuras de linguagem (como é o caso aqui), interconexões com a cultura pop ou mesmo apenas uma imagem que surge na mente sem muita explicação. Acaba sendo uma perseguição para criar algo que corresponda com a imagem que se forma na minha mente e quanto mais se aproxima do que eu imaginei no início, significa que o trabalho foi bem sucedido. É claro que algumas vezes a ideia sofre alterações no decorrer da produção, retirando ou acrescentando elementos e significados. No meu entender, a obra foi bem sucedida justamente por criar essa interconexão entre a instabilidade de uma panela de pressão prestes a explodir e o combate armado entre dois países por um território que ameaça envolver mais atores e transformar o conflito em uma guerra mundial.

Mas é claro que, por mais que eu busque fazer um trabalho tendo em vista um objetivo e liberando pistas para um determinado entendimento, a leitura da imagem é ampla e livre e cada um vai achar uma forma peculiar de entender a mesma imagem e não adianta muito direcionar a interpretação do observador. É até mais interessante saber o quão diferente pode ser a interpretação de uma obra se ela não deixar tudo tão explicado, levando essa leitura para dezenas de outros contextos, que podem ser pessoais, políticos, sociais, emocionais… enfim, a obra tem sua vida própria. 

Imagens: Arquivo pessoal e Google

------------------------------------------  /  /  ------------------------------------------

Referências bibliográficas:

STREMMEL, Kerstin. “Realismo”; [tradução: João Bernardo Boléo]. – Lisboa: Taschen, 2005. 

FOTORREALISMO. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2023. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Fotorrealismo&oldid=66800187>. Acesso em: 18 out. 2023. 

HIPER-REALISMO. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2023. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Hiper-realismo&oldid=66800190>. Acesso em: 18 out. 2023.

"Panela de Pressão" by Eduardo Cambuí Junior is licensed under CC BY-ND 4.0