terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

- Lago Baikal -

Acrílico sobre tela - 150 x 90 cm - 2013
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Nos últimos posts, eu tenho comentado diversas vezes sobre a intenção em mudar o estilo da minha pintura para algo menos detalhado, mais rápido e expressivo. Até que surgiu a encomenda (domiciliar) desta pintura de hoje que acabou servindo como um pequeno exercício para esta mudança, que ainda está ocorrendo. Mudar o próprio estilo de pintura tão significativamente não é algo muito simples... tem sido algo que eu venho buscando aos poucos, algo que precisa mesmo ser gradual para que este novo estilo seja muito bem fundamentado, sem deixar de lado alguns traços característicos da minha própria pintura.

Foto do Lago Baikal, na Sibéria
A pintura deste post (também publicada no Instagram) retrata o Lago Baikal, na longínqua e gelada Sibéria (Rússia), conhecido como o lago mais profundo e o mais antigo do mundo e foi feita a partir de uma foto publicada no livro "Atlas do Extraordinário - Prodígios da Natureza, vol. 1" (Ediciones del Prado), o mesmo livro que também já me serviu como fonte de referência para uma outra encomenda que tive, a "Caravana de Camelos", já publicada aqui. Pintar cenas de lugares que eu não conheço não é algo que eu goste porque a pintura acaba não sendo a mesma coisa. O fato de conhecer o lugar que estamos pintando, mesmo que de forma superficial, faz com que possamos desenvolver e interpretar melhor alguns detalhes da cena, sem contar o caráter quase documental que a pintura adquire (dependendo do caso, obviamente). Como no caso desta pintura e da "Caravana de Camelos" se tratarem de encomendas, não tive muito como fugir disto.


Este tipo de pintura inclusive me faz lembrar (de um assunto recorrente, por sinal) do quão interessante é observar como um artista, seja pintor ou desenhista, é pensado em cidades pequenas do interior do país, como é o caso de Macaúbas. Aos olhos da maioria, um bom artista é um bom copista, o que não deixa de ter um certo fundo de verdade, mas reduzir o talento de um artista desta forma é um pensamento muito simplista e que gera uma série de clichês na cabeça dos iniciantes, que ficam tão presos ao ato de copiar que não se esforçam minimamente em criar nada, costume que eu venho tentando quebrar sempre que tenho oportunidade. Ao meu ver, para ser um grande pintor não basta reproduzir com destreza o que temos em mente, mas observar além da imagem, entender e refletir sobre a natureza das coisas envolvidas, dos fenômenos ocultos atrás das linhas e cores... enfim, a arte ensina muito pra gente também.

Voltando ao assunto da pintura, a imagem pode ser um pouco complicada de entender numa primeira olhada... mostra o lago ao entardecer, refletindo a luz de um céu quente (ao menos no tom da cor) em suas águas e nas poças que resistem na margem. Acima das águas, uma névoa esconde a margem oposta e a base de uma montanha imponente que fica ao fundo. Talvez a parte mais complicada tenha sido o céu, que tomou a maior parte do tempo da pintura, inclusive por conta da diferença de brilho de uma parte até outra. As nuvens também merecem destaque pela quantidade de cores que foram usadas, ainda que o resultado final pareça bastante suave numa olhada rápida. 

Outra parte que teve uma atenção especial foi a névoa que cobre parcialmente o lago. Como ela esconde a base da montanha, fica um pouco complicado de entendê-la inicialmente, então tive que deixar a névoa um pouco irregular para que fosse identificada mais facilmente no primeiro momento em que se vê a tela. A produção da montanha acabou levando um pouco mais de tempo do que era esperado, já que foram muitas cores sobrepostas para criar a ilusão de relevo (aliadas às pinceladas marcadas), para depois, no fim desta parte, deixá-la mais azulada.

"Círculo de Cores" (1808-10) -
esboço feito por Goethe
Para fazer esta pintura, eu recorri ao trabalho do grande mestre inglês William Turner, para que eu tivesse alguma ideia de como conduzir a pintura. É claro que eu não poderia fazer algo com a mesma destreza de Turner, seja na cor ou na textura (e nem era essa a minha intenção), mas buscar uma linha de pensamento similar que eu pudesse me basear, tanto que nesta pintura eu não me prendi tanto em detalhes, deixando a pincelada mais solta, marcada e rápida. Turner era um excepcional pintor e um dos precursores do impressionismo (ao lado de John Constable) e, como tal, observava muito a mudança das nuances das cores e estudou com afinco o livro "A teoria das cores" de Johann Wolfgang von Goethe, publicado em 1810 pelo pensador e escritor alemão. Neste livro, Goethe abordava o fenômeno das cores, sua percepção e influências, obra pelo qual ele próprio passou anos obcecado e que também exerceu grande influência sobre os artistas pré-rafaelitas. Não seria exagero dizer que este livro de Goethe foi a fagulha inicial (ou uma das fagulhas) que culminou com o surgimento da arte moderna, afinal os pintores impressionistas (movimento considerado como o marco inicial da arte moderna) levavam muito em consideração a obra de Turner.

"O 'Temeraire' de combate rebocado para seu último
atraque para ser desmontado" - William Turner
No fim, o resultado foi muito bom, teve um impacto visual bem agradável e acho que eu consegui com que a pintura transmitisse as impressões que eu estava planejando inicialmente (que era passar um visual tranquilo e com um aspecto quase de sonho, ainda que um tanto misterioso) e serviu também para me nortear melhor em alguns pontos para futuros trabalhos que possam surgir do mesmo motivo, algo que é certo que irá ocorrer.


Licença Creative Commons
Lago Baikal de Eduardo Cambuí Junior está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-SemDerivações 4.0 Internacional.

Um comentário:

  1. Oi Edu, gostei muito do teu trabalho. Embora tenha sido feito sob encomenda, conseguiste ultrapassar as limitações que são impostas a um trabalho dessa natureza. Acredito que se tivesses feito essa pintura livremente, o resultado seria ainda muito melhor, mas de qualquer maneira, ficou lindo, viu?

    beijos

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