quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

- Grande -

Lápis dermatográfico sobre papel – Tamanho A4 - 2018
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A publicação de hoje, além de ser uma pequena homenagem ao ator brasileiro Grande Otelo (1915 - 1993), é também o início de uma série de retratos que fiz sobre o poder das expressões humanas e a enorme possibilidade de interpretações que apenas um mero retrato pode transmitir a quem as observa. Para esta tarefa nada simples, a melhor saída encontrada foi recorrer às expressões marcantes dos grandes atores e atrizes do cinema nacional e internacional. 

O processo artístico

É claro que esta ideia de fazer os retratos não poderia ser realizada de uma forma comum, afinal, há muita gente boa (aos montes, em todos os cantos do mundo) que já faz este tipo de trabalho por aí. O princípio básico da ideia desta série é explorar a expressividade, antes de qualquer coisa. É focar no grande leque de possibilidades diferentes que uma única expressão pode sugerir, como uma história contada através de uma simples imagem, com todas as suas subjetividades. Para isto, naturalmente, eu busquei selecionar as imagens que privilegiassem esta comunicação com o espectador, fugindo ao máximo de imagens óbvias de retratos em pose. Inicialmente, cheguei a considerar a possibilidade de buscar estas expressões através da colaboração dos artistas do teatro local, mas isto acabaria consumindo muito mais tempo e, provavelmente, nem sempre eu conseguiria o resultado esperado... por fim, acabei me decidindo pela familiaridade de rostos conhecidos de todos.

No processo artístico (e acho que podemos estender o mesmo princípio para todos os demais campos da vida), uma boa ideia é a pedra preciosa que todos estão à procura, mas logicamente, ela raramente surge do nada, como num estalo. É como uma fruta que vai amadurecendo, mostrando sua cara aos poucos no meio das folhas da árvore, até estar de fato pronta a ser colhida. Eu já tinha feito outros retratos que poderiam (e podem) muito bem ser enquadrados dentro desta série, como foi com “Chaplin”, “O Homem de Lata” ou “Audrey Hepburn”, que pensando melhor agora, podem ser considerados como sinais tímidos de uma ideia que vai surgindo.

Para fugir do lugar comum do grafite (um material que já há algum tempo eu venho deixando de lado na arte final dos meus trabalhos), eu decidi pelo uso do lápis dermatográfico, que deixa a textura mais visível, que no meu ponto de vista é um grande atrativo. É interessante perceber no público a reação de ver que, observando de perto, aquele desenho que à distância tinha ares de fotografia, na verdade não é nada mais que um monte de borrões e riscos entrelaçados. Para deixar o trabalho ainda mais agradável aos olhos, escolhi o papel colorido da marca Canson, que além de ser uma marca que estou bastante acostumado a trabalhar, é de excelente qualidade, afinal, não é qualquer uma que possui a tradição de 450 anos no mercado.

História

Nada mais justo do que tratar um pouco da história do ator retratado aqui, ainda que muito brevemente. O mineiro Sebastião Bernardes de Souza Prata, que ficou conhecido mundialmente pelo pseudônimo de “Grande Otelo”, foi um cantor, compositor e produtor, mas acima de tudo, um memorável ator de grande versatilidade, atuando no teatro, cinema e televisão, e o primeiro ator negro a ter destaque no cenário brasileiro. Atuando desde os 7 anos de idade, ganhou o apelido de Otelo ainda menino quando cursava canto lírico, onde profetizavam que um dia aquele garoto interpretaria com maestria a ópera “Otelo”, de Verdi. Por conta da sua baixa estatura, passou a ser chamado de Pequeno Otelo, que mais tarde foi alterado pelo crítico Jardel Jércolis para “Grande Otelo” pelo seu notável talento, reconhecido inclusive pelo lendário cineasta norte-americano Orson Welles, que o considerava como um dos maiores atores do seu tempo. No cinema, foi uma das estrelas da Atlântida cinematográfica e Vera Cruz e, ao lado de Oscarito, formou uma das mais bem-sucedidas duplas de comédia do cinema brasileiro. Participou também do Cinema Novo e foi personagem marcante do filme Macunaíma, adaptação cinematográfica da obra prima de Mário de Andrade. Morreu em 1993 vítima de ataque cardíaco durante uma viagem à França, onde receberia uma homenagem no Festival de Nantes. 


Sua vida pessoal, muito sofrida, é digna de um roteiro de cinema, repleta de superações de tragédias. Filho de mãe alcoólatra, perdeu o pai muito cedo, vítima de assassinato. Quando sua mãe decidiu se casar novamente, ele fugiu de casa e foi adotado pela diretora do teatro mambembe Abigail Parecis, que passava por Uberlândia na época. Mudou-se para São Paulo com sua nova família, mas seu novo lar não durou muito, já que ele fugiu novamente e entre idas e vindas, foi adotado novamente, desta vez pela família do político Antônio de Queiroz. Mais tarde, já como uma estrela do cinema, o destino veio bater à sua porta novamente quando sua esposa matou o filho de 6 anos e se suicidou em seguida, enquanto o ator trabalhava nas filmagens de “Carnaval de Fogo”, da qual se afastou após o ocorrido. Infelizmente ele não é muito lembrado hoje em dia, mas a boa notícia é que este ano terá início as gravações do documentário “Othelo – O Grande” que vai abordar a vida do ator, utilizando imagens de arquivo, entrevistas e depoimentos de seus contemporâneos de cena. 

A Obra

A utilização de um papel colorido como suporte foi um recurso bastante interessante e visualmente agradável e funciona mais ou menos do mesmo jeito do que é utilizado na técnica de pintura em base tingida, como é feito na pintura em tela. Facilitou no aspecto da coloração da pele, neste caso específico, mas algumas vezes o papel colorido pode se tornar também um desafiador do artista, que precisa se adequar ao uso dele... no caso do papel desta cor nem foi tanto o caso. O problema é bem maior quando o papel é de cor preta e o artista precisa então pensar o desenho como se fosse um “negativo” de filme. A foto que foi utilizada de Grande Otelo originalmente destacava a expressão facial do ator, que para este desenho eu acabei alterando levemente para ser menos caricata do que entendi que é, onde o ator busca a expressão mais perturbadora. Para o desenho, usando a mesma pose, acho que alcancei um olhar um pouco mais introspectivo. 

É interessante observar que algumas vezes um artista não consegue captar a expressão que ele busca reproduzir (ou mesmo o desenho de um objeto qualquer) por não entender muito bem o que ele está observando. A arte sempre vai ser a versão pessoal do artista sobre o tema que ele escolheu. Mas fiquei satisfeito com o resultado final, mesmo que seja inevitável encontrar, numa segunda olhada, algum pequeno detalhe que merecia mais atenção… mas este é, na verdade, o grande martírio de todo artista e são nestes momentos que eu entendo com clareza o que outros artistas querem dizer quando afirmam que um trabalho de arte nunca está terminado.

Fonte: Museu Afro Brasil e Site Adorocinema; Imagens: Google



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"Grande" de Eduardo Cambuí Junior está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-SemDerivações 4.0 Internacional.
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